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R n°2: A Semente da Confrontação: a Guerra de Mixtón

Este texto foi extraído da edição número 2 da Revista Regresión. Sua tradução foi realizada por Anhangá.

Durante o período de 1520-1531 foram edificadas várias cidades sobre os restos da civilização asteca, duas das mais importantes foram Nova Espanha e Nova Galícia, esta última ocupava os atuais estados de Jalisco, Colima, parte de Zacatecas e Nayarit.

O conquistador Nuño de Guzmán se encarregou de usar a força em vários povos sedentários e nômades do norte da Nova Galícia. Guzmán ficou caracterizado pelo seu excessivo uso da força contra os nativos, assim como por seus letais castigos contra aqueles que resistiam a ser escravizados.

Durante anos o conquistador trabalhou fielmente para a coroa e a religião católica, e embora suas ações contra os índios tenham lhe custado a prisão, a memória dos acontecimentos persistiu na mente dos aborígenes até o dia em que começou a rebelião.

Já em 1541 com os nativos cansados dos abusos e decididos a defender seu modo de vida, suas crenças e suas terras ancestrais, começaram a se rebelar, inicialmente evitando assistir as missas. Seu descontentamento foi maior quando soldados enviados por frades autorizaram levar os rebelados à força até a igreja, foi aí que muitos nativos sedentários abandonaram os povoados dos espanhóis e se refugiaram nas montanhas, adaptando-se novamente à vida de caçadores-coletores seminômades. Nas montanhas se encontraram com mais e mais indígenas que tinham decidido fazer o mesmo. Assim, após várias reuniões entre tribos e liderados por vários “tlatoanis”, a rebelião generalizada começou. Ao grito de “¡Axcan kema, tehuatl, nehuatl!” (Até tua morte ou a minha), os grupos de originários armados atacaram soldados espanhóis, queimaram conventos, igrejas e pequenos povoados, armaram emboscadas, mataram frades, cidadãos espanhóis, negros, mulheres, mulatos, indígenas aliados dos brancos, gados e cavalos.

Na rebelão participaram coras, huachichiles, caxcanes, zacatecos, guamares, guainamotas, tepehuanes, irritilas, huicholes, entre outros.

Depois de vários ataques os guerreiros se unificaram no Monte de Mixtón, de onde atacavam as cavalarias espanholas que eram enviadas pelo governador de Nova Galícia, Critóbal de Oñate. Por sua vez, frades missionários subiam o monte para tentar se envolver em negociações e assim alcançar a paz por meio de pregações religiosas. Segundo as crônicas, o franciscano Juan de Calero tentou dialogar com os rebeldes com sua bíblia na mão quando um deles respondeu furiosamente “Já não nos pregará mais coisas do céu nem do inferno, não queremos tua doutrina!”, depois destas palavras mencionadas no idioma dos selvagens eles o atacaram e mataram-no com flechas e lanças.

Fernán Gonzales de Eslava descrevia os bárbaros da seguinte forma: “dentro de seu furor indescritível são aprisionados todos os males, e com flechas infernais não deixam vivos nenhum dos missionários viventes”.

Devido a grande maioria dos ataques que lançaram os europeus contra os rebelados de Mixtón terem fracassado, e advertido porque estes haviam tomado várias cidades (inclusive a própria cidade de Guadalajara), Oñate mandou chamar o capitão Diego de Ibarra, experto em estratégias militares. Este tratou de sitiar os rebeldes em raras ocasiões, mas nenhuma delas deu resultado mais do que já era esperado: cavalos flechados, soldados mortos e os vivos muito desmoralizados, tanto pelas perdas como pelas piadas que os rebelados faziam com eles lá do topo da colina após as batalhas.

Mas os nativos tinham algo guardado para Ibarra e seus homens, um golpe tão forte que iria abalar até mesmo o vice-rei de Nova Espanha, Antonio de Mendoza e a todo o Conselho das Índias.

Em 9 de abril de 1541, conhecendo os ciclos naturais e tendo o selvagem a seu favor, os nativos aproveitaram a aparição de um eclipse solar para surpreender aos brancos e matar a grande maioria.

Este golpe foi tão forte que o próprio vice-rei solicitou a presença de um conhecido conquistador, aquele que na época havia sido capitão de Hernán Cortes, quem havia ajudado fortemente a derrotar totalmente os guerreiros águia e jaguar que protegiam Tenochtitlán, só que por sua própria arrogância e megalomania ele cairia ante os pés descalços dos selvagens de Mixtón. Estamos falando de Pedro de Alvarado.

Alvarado confiante de que poderia controlar a situação decidiu ir diretamente junto com seus homens, unindo-se com os de Ibarra, ao Peñol de Nochistlán, outra colina onde os rebeldes haviam se fortalecido bastante. Alvarado não esperou reforços e lançou-se em sangrentas batalhas, as quais dia a dia foram ganhando e resistindo aos guerreiros nativos.

Em 24 de junho, durante uma grande batalha nas florestas do Peñol de Nochistlán, as flechas, lanças e as pedras fariam correr os espanhóis liderados por Alvarado. Aos gritos dos selvagens, sua atitude hostil e aparência agressiva seus homens ficaram fora de controle gerando um bolo humano durante a retirada, uns esmagando os outros costa abaixo. Em meio a isso Alvarado também foi afetado, recebeu várias feridas resultado das fortes flechas que os selvagens haviam projetado exclusivamente para perfurar as armaduras espanholas. Seu cavalo caiu sobre ele e fraturou-lhe várias costelas, deixando-o estendido no chão gravemente ferido.

Em 4 de julho Alvarado morreria devido aos ferimentos causados na batalha de Nochistlán. Ele havia perdido uma batalha contra aqueles quem catalogavam como primitivos inexperientes em batalhas. Alvarado pôde naquela época matar os melhores guerreiros da elite militar asteca, mas não teve chances contra os indomáveis caçadores-coletores.

Este foi mais um duro golpe para os brancos que realmente viam seu reino em perigo latente. O vice-rei Mendoza, inquieto e extremamente preocupado com as perdas, e porque a rebelião havia se espalhado até Michoacán, onde vários purépechas tinham pegado em armas junto com os (teo) chichimecas, mandou que fosse agrupado o maior número de indígenas aliados para combater a seus parentes étnicos. Com isso centenas de mexicas, tlaxcaltecas, xilotepecas, huejotzincas, etc., foram misturados ao exército espanhol para exterminar os rebeldes. As crônicas contam que mais de 50 mil homens foram os que atacaram ferozmente os rebeldes e os fizeram recuar das cidades que já haviam sido tomadas. Os selvagens tanto de Mixtón como de Nochistlán também caíram pelos numerosos ataques dos espanhóis e seus aliados indígenas, em 1542.

O extermínio foi inevitável. Assim terminaria mais um episódio da resistência nativa contra a civilização e o progresso. Muitos dos selvagens guerreiros morreram em batalha porque não estavam dispostos a negociar sua liberdade nem em aceitar os mandatos dos novos governantes, preferiam morrer negando os costumes e as crenças dos estranhos. Aqueles que sobreviveram deram seguimento a suas ações hostis, mas com menos impacto do que o levantamento generalizado. A chama do conflito seguia ardendo neles, a Guerra de Mixtón apenas seria o começo de algo maior; a Guerra Chichimeca, o maior e mais sangrento conflito nativo e de maior duração em toda a América do Norte, no qual oficialmente duraria mais de 50 anos.


R n° 3: Lições deixadas pelos antigos: a batalha do “Pequeno Grande Chifre

Ele faz parte da edição 3 da Revista Regresión.

A batalha do Pequeno Grande Chifre, ou também “Little Big Horn”, foi um dos episódios mais dolorosos que o exército estadunidense já sofreu, um acontecimento histórico enquadrado dentro das chamadas “Guerras Indígenas”. Na batalha os nativos americanos liderados pelo chefe Siux Tasunka Wikto, conhecido também por Cavalo Louco, o chefe espiritual Lakota Touro Sentado, o chefe Duas Luas dos Cheyennes, entre outros, alcançaram uma derrota esmagadora contra os invasores brancos. O que será aqui contado é apenas um rápido resgate de uma das tantas histórias de resistência mortal contra a civilização e o progresso e que nos deixa uma grande lição.

Pequeno Grande Chifre é como era chamado um rio dentro dos territórios do estado de Montana, no Estados Unidos. A zona vizinha de Black Hiils havia sido ocupada majoritariamente por colonos brancos após estes encontrarem nas proximidades várias minas repletas de ouro. No ano de 1876 o governo estadunidense tentou comprar as terras para explorá-las, o que irritou a muitos dos nativos que ainda viviam na região. O decreto do governo se espalhou por estes territórios dando apenas duas opções aos ancestrais donos destas terras, ou vendiam suas terras para serem transferidos para uma reserva ou seriam infratores da lei. Muitos escolheram a segunda opção e foi assim que a resistência começou a consolidar-se.

O governo deu aos aborígenes um prazo para que abandonassem suas terras milenárias e tendo excedida a data e desobedecendo o mandado, unidades militares começaram a expulsar à força vários acampamentos. O povo de Duas Luas e de Cavalo Louco foram agredidos e tiveram que abandonar suas posições. Foi então quando consultaram a quem na época era considerado o grande chefe espiritual e com maior influência em toda a comunidade nativa, Touro Sentado.

Este chefe Lakota realizou um chamado pela unidade de outros clãs para se defenderem da ameaça europeia e então algo como um “Tlatol” (1) foi celebrado a mando do chefe espiritual. Segundo as crônicas cerca de quinze mil nativos assistiram a reunião.

É dito que Touro Sentado ao ver tantas pessoas reunidas proclamou uma oração onde pedia a Wakan Tanka (segundo a cosmovisão dos Siux, o Grande Espírito) que a caça fosse boa para o seu povo, e assim os homens foram fortes e imbatíveis. Para que isso viesse a acontecer Touro Sentado fez a Dança do Sol no qual dançou dois dias e duas noites sem comida nem água, orando e observando os movimentos solares. Ao final da dança o líder espiritual teve uma revelação, via uma grande quantidade de soldados brancos e nativos caírem do céu. Segundo ele os soldados caídos eram uma oferenda a Wakan Tanka pela qual os guerreiros nativos deveriam assassiná-los, mas sem tomar suas armas, cavalos ou qualquer um de seus pertences. Se esta regra fosse ignorada as coisas dariam errado para os nativos.

Com uma coragem incandescente chefes tribais como Cavalo Louco reuniram seus homens e partiram em busca da oferenda a Wakan Tanka e para ao mesmo tempo defenderem suas terras das quais não se retirariam sem uma luta. Em 16 de Junho um grupúsculo de guardas nativos avistou das montanhas uma coluna de 1.300 homens brancos e índios aliados próximos a seu acampamento na zona de Rosebud. Quem liderava os soldados era o tenente George Crook.

A defesa começa e os homens armam-se para lutar. Se os invasores se aproximassem mais haveria a possibilidade de que houvesse baixas de crianças e mulheres entre o combate.

Pela madrugada do dia seguinte o chefe Cavalo Louco com mil de seus homens inesperadamente arma uma tocaia contra seus inimigos. Foi assim como as tropas ocidentais entraram em desespero e em uma rápida estratégia de guerra a horda de selvagens se dividiu em pequenos grupos para ir à caça daqueles que haviam se separado da coluna, tornando mais fácil o assassinato dos soldados norte-americanos. Após terem freado os invasores os nômades acamparam nas margens do rio Pequeno Grande Chifre.

Em 25 de Junho deste ano o tenente-coronel George Armstrong Custer (herói estadunidense por sua participação na guerra civil, considerado como o general mais jovem do exército daquele país em toda sua história, mimado pela imprensa e apelidado de “General Criança”), juntamente com sua coluna de 600 soldados dividida em três grupos, tentaram emboscar os guerreiros que haviam desmoralizado o coronel Crook e seus homens alguns dias antes.

Um dos três grupos disparou diretamente na parte frontal do acampamento, os guerreiros ao grito de Hoka Hey (que em Lakota significa “hoje é um bom dia para morrer”) responderam a agressão com seus arcos e flechas, com seus machados e suas escopetas e fizeram correr os soldados que caíram mortos sobre o rio.

O segundo grupo comandado por Custer decide atacar o acampamento nômade a partir de outro flanco. Durante a batalha o chefe espiritual Touro Sentado cuida das mulheres e das crianças enquanto as estratégias dos selvagens levam os soldados à loucura quando estes se veem indefesos após a fuga de seus cavalos, os quais fugiram assustados pelos nativos. Em questão de minutos os inimigos foram reduzidos e sitiados, e lá do alto das colinas os homens de Cavalo Louco gritavam palavras de guerra enquanto os estadunidenses aterrorizados assassinavam seus próprios cavalos ao usá-los como escudo. Segundo conta as crônicas a batalha foi feroz e caótica, era possível ver os guerreiros assassinando os soldados em luta corporal ou desde seus cavalos com flechas e machados ou disparando à queima-roupa contra eles em uma atmosfera de fumaça de pólvora. Se escutava gritos, uivos e o disparar das armas. Ao terminar a batalha o grande coronel Custer jazia morto com tiros na cabeça e no peito. Seus homens foram destroçados. Os selvagens nativos desnudaram os corpos, cortaram seus coros cabeludos e os castraram, além de também levar seus pertences, coisa que o chefe espiritual Touro Sentado havia dito que não fizessem. Desobedecer esta indicação seria visto depois pelos nativos como um prelúdio maligno já que após esta batalha eles ganhariam o ódio de um grande setor da sociedade ocidental e seriam massacrados e caçados como animais pelo exército estadunidense.

O terceiro e último grupo estava longe reunido com os poucos sobreviventes do primeiro. Este pediu apoio e mais soldados foram chegando. Cavalo Louco não podia arriscar perder mais homens devido ao que o acampamento ordenara em se levantar e partir com a vitória em mãos. A última grande estratégia que traçaram os antigos guerreiros foi que se dividiriam em pequenos grupos, pois assim todo o grande grupo não seria avistado. Muitos grupos pequenos era mais difícil de se encontrar do que apenas um. Foi assim como todos partiram em direções distintas.

Há várias lições aqui para se aprender com esta luta contra a civilização:

A primeira: a estratégia é muito importante quando se trata de sair vitorioso em uma luta ou uma batalha. Neste caso a luta individualista contra o sistema tecnológico deve ser tratada com tática e inteligência. Sabemos muito bem que ao dizer isso não se pretende ter em conta ganhar ou vencer totalmente este sistema, pois isso não está em nossas mãos, mas, na medida das nossas possibilidades, desferir golpes contra a mega-máquina que sejam transformados em vitórias individuais e que regressemos sem lesões ou sem detenções, esta deve ser a finalidade durante os ataques tanto de sabotagem como terroristas.

A segunda: vendo o exemplo de luta exposto acima dos antigos unidos contra um único objetivo e defendendo seu modo de vida com a natureza, a ferocidade desempenhou um papel muito importante e, embora durante a batalha houve feridos e até mortos, o ponto central recai na ideia de que a luta contra a civilização e o progresso deve ser a morte, feroz e exuberante, ou seja, extremista. As meias medidas não se incluem nesta guerra, aqueles ainda não robotizados totalmente que estão dispostos a matar e morrer defendendo sua natureza humana e defender a Natureza Selvagem que permanece indômita, devem ter isso em mente. Cavalo Louco foi assassinado um ano após liderar os nômades selvagens contra o exército estadunidense, morreu baixo uma saraivada de tiros de indígenas aliados do inimigo, seu corpo foi perfurado pelo chumbo da civilização, mas seu orgulhoso exemplo guerreiro permaneceu como um legado vivo para as gerações vindouras que assim como ele, se defendem e resistem ante o avanço do alheio.

A terceira: atacar o inimigo quando ele menos espera é outra das lições. Para ser efetivo e sair ileso de um ataque não é muito prático atacar durante uma data em que as autoridades possam estar informadas da ameaça. Por exemplo, a cada 8 de agosto o Tec de Monterrey se mantém em estado de alerta por se recordar de que neste dia no ano de 2011 o grupo eco-extremista “Individualidades Tendendo ao Selvagem” enviou um pacote-bomba na já conhecida história dos tenólogos feridos. Neste dia em especial, levar a cabo algum atentado contra a mesma instituição acadêmica seria um perigo para aqueles que o executassem já que é montado um dispositivo especial de segurança, só que muito discreto. Embora eu, pessoalmente, gostasse de ver outro atentado nas mesmas condições (ou até mais) na mesma instituição e nesse mesmo dia, e que funcionasse e burlasse todo o dispositivo de segurança, isso não seria muito pertinente.

A quarta: alguns tolos perguntaram anteriormente e sem conhecer nossas posturas: usarão as armas do sistema para enfrentá-lo?

Os nativos americanos que citamos acima lutaram com tudo o que tinham em mãos, arcos e flechas, machados e bastões, cavalos e rifles. Ditas armas foram úteis na hora de investir contra os brancos e os indígenas aliados. O que teria acontecido se estes mesmos indígenas houvessem rejeitado as armas dos brancos e tivessem atacado apenas com seus antigos utensílios de caça e de luta? Talvez nem haviam saído vitoriosos na batalha do Pequeno Grande Chifre ou outras mais.

As baixas do exército foram muito mais que as dos nativos. Um dos fatores que contribui para isso foi que os guerreiros levavam rifles de repetição (ou seja, poderiam disparar uma sequência de balas sem recarregar) os quais haviam roubado previamente do inimigo e com eles ganhavam tempo ao disparar em vários brancos em questão de segundos enquanto que os estadunidenses e aliados portavam rifles mono-tiro (poderiam atirar apenas uma vez e após isso era necessário recarregar). Esta lentidão em suas armas fez com que os nativos disparassem enquanto corriam com seus cavalos em direção aos soldados, rodeando-os enquanto estes tentavam recarregar suas armas.

Aqui é respondida a pergunta que foi abordada na quarta questão. Não podemos nos limitar às antigas ferramentas de guerra apenas porque criticamos este sistema tecnológico, devemos utilizar as armas do mesmo sistema para combatê-lo. Assim como os nativos americanos participantes da matança do Pequeno Grande Chifre não pensaram duas vezes em utilizar estes rifles de repetição nós também não teremos qualquer problema em utilizar alguma arma moderna que possa causar baixas ao inimigo.

É assim como termina este texto. Cada qual que saque suas próprias conclusões.

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*“Tlatol” é como era chamada uma reunião selvagem na Mesoamérica Setentrional lá por meados do ano de 1540. Vários grupos caçadores-coletores nômades desta região se reuniam pela noite com toda a sua tribo e faziam rituais de guerra se preparando para o combate contra os invasores brancos e seus subordinados.